domingo, 15 de novembro de 2009

Em memória do Lucas

Regressaste ao pó sem nos despedirmos.
Estávamos tão ocupados a gostar um do outro
que não equacionámos a hipótese de um de nós partir sem se despedir.
Ontem, tu partiste, cedo, demasiado cedo,
como partem todos aqueles que são amados.
Afinal todas as vezes
que te aproximavas para eu te beijar,
que te encostavas ao meu corpo para te acariciar,
que ficavas sentado à espera, para me ofereceres a tua companhia, a tua protecção,
que ficavas em silêncio a compreender-me,
afinal dizíamo-nos adeus.
Se houvesse dignidade na morte, tu merecê-la-ias.
(Ninguém merece morrer atropelado,
atirado para o escuro de uma mina.
Do ser humano, já nada me surpreende.)
Uma morte digna continua a ser morte.
Morte é morte,
ponto final parágrafo.
Deixámo-nos.
Tu já não tens memória.
Essa ficou toda para mim.
O que hei-de fazer com todos os pedacinhos da tua alma
que eu guardo nas profundezas?
O que hei-de fazer quando chamar
Lucas, Lucas
e tu não apareceres?

1 comentário:

  1. A um Ausente

    Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar. Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora. Detonaste o pacto. Detonaste a vida geral, a comum aquiescência de viver e explorar os rumos de obscuridade sem prazo sem consulta sem provocação até o limite das folhas caídas na hora de cair. Antecipaste a hora. Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas. Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o ato em si, o ato que não ousamos nem sabemos ousar porque depois dele não há nada? Tenho razão para sentir saudade de ti, de nossa convivência em falas camaradas, simples apertar de mãos, nem isso, voz modulando sílabas conhecidas e banais que eram sempre certeza e segurança. Sim, tenho saudades. Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da natureza nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste, porque te foste.

    Carlos Drummond de Andrade . .

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