sábado, 28 de novembro de 2009

Eis os portugueses

«Mas os portugueses são pequenos mortos carregados de bandos de filhos. Lastimam-se, lamentam-se, queixam-se; só raramente protestam, só raramente se indignam: falam baixo. Raquíticos, supersticiosos, ignorantes, obesos, confundem passado, presente e futuro, embebedam-se, escarram no chão, batem nas mulheres, recriminam-se uns aos outros, investem-se de mitos primitivos, habitam espaços reduzidos em bairros infectos, elevam o som das rádios para lá de limites suportáveis, discutem futebol toda a semana, crêem na má-sorte, acreditam no milagre de Fátima, amontoam-se, tornam-se patéticos com a modéstia abjecta dos seus desejos; voltam a embebedar-se. Ei-los maltratados, agredidos, feridos, arranhados: e resignam-se à ilusória ficção de que, quando contam as suas desgraças, são escutados com reverente compreensão e simpatia. E fazem-no sem pudor. Satisfazem-se demonstrando as suas misérias: até publicamente. Nas bichas dos carros eléctricos, no interior dos autocarros apinhados, no confuso tumulto das carruagens do Metro, odores de suor, de corpos mal lavados, detritos, imundícies, fétidos rostos de cadáveres, zangas sem significado, intrigas, vaidades, anedotas, piadas grosseiras, astúcias menores, manhas grotescas. Aos domingos passeiam aos magotes pelos centros comerciais.»
Baptista Bastos, Um Homem Parado no Inverno

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