segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Instantes de um Peregrino Sem Fé

3.Linha da Beira Alta

Há rios que são como algumas pessoas: não deveríamos conhecer-lhes o passado. O Mondego é um desses rios. Da carruagem onde eu era o único ocupante, o meu olhar procurou-lhe o leito . A pouca água que levava encontrava-se estagnada, escura, defunta.

[Leito sem água. Homem sem alma.]
Era tão diferente do Mondego da minha infância, quando acampava, todos os anos, em Figueira da Foz! O parque de campismo ficava na margem sul. Atravessávamos o rio todas as manhãs em direcção ao mercado municipal. Havia semáforos na única ponte que existia. Como eu gostava que o sinal estivesse vermelho, que houvesse fila! Precisava de tempo para admirar aquela imensidão de água cheia de vida, de barquinhos coloridos, de vidas...
Ao aproximar-se da cidade da Guarda, a linha afastou-se definitivamente do rio que não era o da minha memória. Ninguém gosta de aviltar as suas memórias.
[Quem faz os rios e as pessoas são os afluentes.]

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Apresentação do Romance 'Até à Próxima Lua, Mon Amour', na Centésima Página, em Braga

No dia 3 de Outubro, pelas 18h30m, será apresentado, pela Elisabete Gonçalves, o romance 'Até à Próxima Lua, Mon Amour', na livraria Centésima Página, em Braga. Terei o maior prazer em contar com a vossa presença.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Instantes de um Peregrino sem Fé

2. Estação de Pampilhosa
Desci do Intercidades para apanhar o Regional que, vinte minutos depois, haveria de percorrer toda a linha da Beira Alta. Sentei-me e fiquei a saborear o silêncio da estação quando o comboio parte.
Encostada à estação, encontrava-se a cerâmica Progresso em ruínas. Às vezes, o progresso é uma ruína, arruína, rói, corrói.
Saí da estação pelo sítio errado, atravessando as várias linhas. Procurei, nas redondezas, o local ideal para entreter o estômago. Entrei em três ou quatro cafés. Nenhum era o ideal. Encontro mais facilmente ideais do que locais ideais. Senti o tempo a passar. Entrei numa pastelaria. As mesas da esplanada estavam ocupadas por reformados a ludibriar o tempo. Fui atendido por uma jovem mulher, desejosa por ser amada.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A INCAPACIDADE DE SER VERDADEIRO

Paulo tinha fama de ser mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez, Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

Carlos Drummond de Andrade

(Não se gosta de Drummond. Ama-se.)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Instantes de um Peregrino sem Fé

1. Intercidades Porto-Pampilhosa.
Partiu a horas. Parti a horas. Há sempre uma hora para se partir. Passa-se a vida a partir. A vida não passa de uma viagem. É tão vulgar esta frase! Apetece-me repeti-la. A vida não passa de uma viagem.
O Porto começava a ficar para trás à espera do meu regresso. A minha vidinha também. Não há melhor vista do Porto do que a das pontes.
O comboio parou. Uma voz tímida despertou-me do estado de letargia em que me encontrava
(dá licença que me sente).
Um corpo franzino aguardava que desocupasse o banco a que tinha direito para viajar. Desocupei-o imediatamente. O corpo franzino ofereceu-me o melhor agradecimento que se pode receber: um sorriso. Respondi-lhe na mesma moeda. Não dissemos nada. Já tínhamos dito o essencial.

dEUS - Instant Street (1999)