sexta-feira, 2 de abril de 2010

Ipsis Verbis

«Os factos só são verdadeiros depois de serem inventados.» (Crença de Tizangara)


«Os novos-ricos se passeavam em território de rapina, não tinham pátria. Sem amor pelos vivos, sem respeito pelos mortos. Eu sentia saudade dos outros que eles já tinham sido. Porque, afinal, eram ricos sem riqueza nenhuma… se iludiam tendo uns carros, uns brilhos de gasto fácil. Falavam mal dos estrangeiros, durante o dia. De noite, se ajoelhavam a seus pés, trocando favores por migalhas. Queriam mandar, sem governar. Queriam enriquecer, sem trabalhar.»


«Se temos voz é para vazar sentimento. Contudo, sentimento demasiado nos rouba a voz.»


«Conhece a diferença entre o sábio branco e o sábio preto? A sabedoria do branco mede-se pela pressa com que responde. Entre nós o mais sábio é aquele que mais demora a responder. Alguns são tão sábios que nunca respondem.»


«Do que mais lembro jamais eu falo. Só me dá saudade o que nunca recordo. Do que vale ter memória se o que mais vivi é o que nunca se passou?»


         Mia Couto, O Último Voo do Flamingo

1 comentário:

  1. "(...)eu e esse velho ficámos em silêncio durante um tempo. Naqueles lugares o silêncio não suscita qualquer embaraço nem é um sinal de solidão. O silêncio é, tanto quanto a palavra, um momento vital de partilha de entendimentos. Estávamos numa dessas pausas quando ele me perguntou:
    _ O Senhor não sabe falar nada de 'xi-djaua'?
    _ Nem uma palavra, Saide.
    _ Está a ver a diferença entre nós?
    _ Estou, sim. Nós falamos diferente.
    _ Não, o Senhor não está a ver. A diferença entre nós não está no que falamos. A diferença está em que eu sei ficar calado em português e o Senhor não sabe ficar calado em nenhuma língua.

    Em nome dessa sabedoria de silêncios me fico por aqui." Mia Couto

    Eu também...

    Clara

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