quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Que Ficou Por Dizer


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Passam oito minutos das cinco horas da manhã.
Desce da cama o meu corpo sem sono. Movimenta-se na penumbra como se não existisse. Abandona o quarto. Entra na sala onde o sol entrara antes do meu cérebro em chamas. Sem perder tempo, senta-se e obedece, sem resistir, à voz que o atormentou durante toda a noite.
Já passaram quase dois meses desde a apresentação do romance, o primeiro que publico, o segundo que escrevo, na Feira do Livro de Barcelos. Regresso ao dia dezassete de Junho. O criminoso regressa quase sempre ao local do crime. O filho regressa sempre ao ventre materno.
A alameda das Barrocas, situada no peito de Barcelos, estava cada vez mais perto. A meu lado, uma voz ansiosa, ou receosa, procurava acalmar-me ou acalmar-se.Caminhávamos, cúmplices de um mesmo desafio, ou sonho, ou loucura, em direcção ao desconhecido, o nosso. A noite noitava este cantinho do Mundo. Havia muitas pessoas na rua a digerirem o jantar e a vidinha. Ocupei-me a ouvir o som dos meus passos. Entretinha-me, em vão, a silenciá-los. Estava um pouco atrasado. Já passava das vinte e duas horas.
Entrámos no recinto da Feira do Livro. Algumas pessoas saltitavam de pavilhão em pavilhão, de livro em livro, em silêncio ou sussurrando para a companhia. Se não fosse a música debitada por colunas estrategicamente espalhadas pelo recinto, haveria um silêncio quase perfeito. Seria tão diferente a feira semanal que começava a preparar-se a poucos metros dali!
Aproximei-me da tenda que conhecera na noite anterior. Reconheci e cumprimentei alguns rostos que me aguardavam e que esperavam que eu os surpreendesse. Eu mesmo esperava isso de mim. Tal como as catástrofes, aconteceu tudo muito rapidamente. Encontrava-me sentado num sofá confortável, lado a lado, com alguém de quem gostara em pouco tempo. Há pessoas assim: nasceram para gostarmos delas ao primeiro olhar. Pela segunda vez, nesse princípio de noite, sentia-me ladeado por alguém, que, neste caso, era pronome definido. Pela segunda vez, sentia-me aconchegado.
Há muita claridade à minha volta. Ou será dentro de mim? Não consigo continuar. Fá-lo-ei numa próxima antemanhã.

3 comentários:

  1. Olá!
    Que LIINDO o teu texto! Li agora este desabafo, "o que ficou por dizer", e revivi tudo! Também eu estava em convulsões e o "parto" não era meu, embora me sentisse muito "mãe", muito "irmã" naquela noite tão quentinha, tão especial!
    Obrigada pelo muito que me toca das tuas doces palavras! Também eu estava ali, naquele confortável sofá, com alguém de quem gostara em pouco tempo e que sei que gostarei o "resto do tempo que o mundo durar" ... Desejo-te toda a sorte do mundo, Carlos! Tu merece-la!
    Recebe um abraço-de-irmã!
    Elisabete Gonçalves

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  2. Todos percebemos quando do Carlos vem um Beijo, ainda que, por vezes, ele não seja assim tão explícito.
    Creio ser daí que emana a força da sua escrita.

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  3. Este blogue começa a ficar mais interessante!
    E seu outro Romance?

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