sábado, 10 de outubro de 2009




«Um corpo. Um corpo vertical ou estendido é sempre uma chama: aquece e ilumina. Um corpo respira, abre-se ao sol, floresce na noite. Em silêncio, é pura veemência; quando fala, queixa-se de ser tão frágil e tão só. Mais raramente, diz uma palavra de alegria. Exalta-se; fatiga-se; exaspera-se. A sua voz é a da terra – dali parte, ali regressa. É breve a sua duração, muito breve – quase só o tempo de um suspiro. Mas é belo aquele esplendor. Não há nada mais belo. Da sua existência, deixa às vezes uns sinais. De inquietação; de plenitude. O mais efémero dos seres tem sede de eternidade, quero eu dizer: de outro corpo. Então balbucia, beija, ama, dá um subtil nome às coisas, e das dissonâncias da carne ergue-se à exacta medida do canto, ou de qualquer outra música. A luz torna-se fulguração. Toda a eternidade é isso – e não há outra.»
Eugénio de Andrade, Os Afluentes do Silêncio

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