O silêncio é como as árvores, ganha raízes.
O silêncio entranha-se quando se tem tanto para dizer.
O silêncio, o meu, hiberna.
Eis-me a anunciar a Primavera.
domingo, 6 de março de 2011
domingo, 30 de janeiro de 2011
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
ENCOSTAS A FACE...
Encostas a face à melancolia e nem sequer ouves o rouxinol. Ou é a cotovia?
Suportas mal o ar, dividido
entre a fidelidade que deves
à terra de tua mãe e ao quase branco
azul onde a ave se perde.
A música, chamemos-lhe assim,
foi sempre a tua ferida, mas também
foi sobre as dunas a exaltação.
Não ouças o rouxinol. Ou a cotovia.
É dentro de ti
que toda a música é ave.
Eugénio de Andrade
Suportas mal o ar, dividido
entre a fidelidade que deves
à terra de tua mãe e ao quase branco
azul onde a ave se perde.
A música, chamemos-lhe assim,
foi sempre a tua ferida, mas também
foi sobre as dunas a exaltação.
Não ouças o rouxinol. Ou a cotovia.
É dentro de ti
que toda a música é ave.
Eugénio de Andrade
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Instantes de Um Peregrino Sem Fé
24. Bom apetite (Continuação)
Almocei mais depressa do que era meu hábito. Aprendi com o meu avô a comer devagar
(para não incomodar o estômago),
justificava-se/justifico-me.
Não pedi sobremesa para terminar a refeição ao mesmo tempo do que ela. Levantou-se, dirigiu-se ao balão e pediu à empregada a conta. Pagou e saiu. Eu fiz o mesmo. Saímos do restaurante vegetariano no mesmo minuto. Ela com o seu saco de pano ao ombro e eu com a mochila às costas.
Virou à esquerda e desceu a rua. Seguia-a a poucos metros de distância, sem reflectir, deixando-me levar pela obsessão. Sentia uma espécie de embriaguez sentimental.
Atravessou uma rua onde os carros dispunham de três faixas de rodagem e dirigiu-se para Sul. Cerca de trezentos metros à frente, parou e olhou para trás, para mim. Ao aperceber-me de que ela me esperava com o olhar, parei e fique estatuado a encará-la. Desta vez não retirei os olhos dos dela. As pessoas passavam sem reparar em nós. Sorriu-me com um sorriso triste. Quando, finalmente, reuni a coragem suficiente para ir ao seu encontro, ela prosseguiu o seu rumo, entrando numa rua estreita e sombria. Eu fiquei sem saber o que fazer. Decidi seguir em frente até ao início da rua onde ela tinha entrado. Apercebi-me de que havia bastante movimento nessa rua. Procurei-a com o olhar. Ela desaparecera. Fiquei a ler uma placa que informava todos os transeuntes de que não era aconselhada a permanência de menores de dezoito anos, naquela rua, devido aos inúmeros estabelecimentos ligados ao erotismo e, sobretudo, ao sexo.
O meu desnorte foi interrompido pela voz de um homem a perguntar-me as horas. Eu respondi-lhe e ele não me agradeceu. Voltei a ver as horas. Faltavam quarenta minutos para o comboio partir e a estação ficava ao fundo daquela longa avenida.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Instantes de Um Peregrino Sem Fé
23. Bom apetite
Após ter perguntado a várias pessoas e de ter vasculhado quatro ruas estreitas do Centro Histórico do Bairro Medieval da cidade, encontrei, finalmente, o restaurante vegetariano. Passavam catorze minutos do meio-dia. Abri a porta de vidro e senti o impacto do ar condicionado no meu corpo suado.
Uma empregada aproximou-se de mim com um sorriso e um comprimento.
(Faça o favor de escolher a mesa onde pretende almoçar),
sugeriu-me amavelmente.
Cirandei com o olhar pela sala. Apenas uma mesa estava ocupada por uma mulher que me observava disfarçadamente. Escolhi uma mesa encostada à parede de vidro através da qual se avistava o movimento da rua. Sentei-me de frente para ela, que deveria ter cerca de vinte e poucos anos de idade. Tinha um olhar desamparado. Os dedos das mãos eram compridos. O pescoço alto e os ombros estreitos. Vestia uma camisa justa e decotada, deixando perceber a brancura da pele.
A empregada saiu da cozinha e trouxe-lhe um prato com uma tarde de legumes. Escutei a voz dela a agradecer
(obrigada).
[Voz de criança em corpo gasto.]
A empregada desejou-lhe
(bom apetite)
e deixou-a a olhar para o prato, dirigindo-se para a minha mesa
(hoje temos empadão de…).
Interrompi, decidido
(opto pela tarte de legumes).
Sorriu-me e dirigiu-se para a cozinha, permitindo-me observar a sala. Havia quadros de paisagens e de pessoas orientais. Tentei analisar pormenorizadamente um deles, onde aparecia um rosto de velho a fumar. Contudo, a minha atenção persistia em fugir para ela, que comia lentamente a tarte de legumes. Mal o nosso olhar se cruzou, e isso aconteceu três ou quatro vezes, era sempre eu a retirá-lo, a fugir, a cobardear. {Começa a aborrecer-me o facto de o Word sublinhar as palavras que invento}
A empregada trouxe-me o chá de erva de príncipe e a tarte de legumes.
(Bom apetite.)
(Obrigado.)
Continuará...
Após ter perguntado a várias pessoas e de ter vasculhado quatro ruas estreitas do Centro Histórico do Bairro Medieval da cidade, encontrei, finalmente, o restaurante vegetariano. Passavam catorze minutos do meio-dia. Abri a porta de vidro e senti o impacto do ar condicionado no meu corpo suado.
Uma empregada aproximou-se de mim com um sorriso e um comprimento.
(Faça o favor de escolher a mesa onde pretende almoçar),
sugeriu-me amavelmente.
Cirandei com o olhar pela sala. Apenas uma mesa estava ocupada por uma mulher que me observava disfarçadamente. Escolhi uma mesa encostada à parede de vidro através da qual se avistava o movimento da rua. Sentei-me de frente para ela, que deveria ter cerca de vinte e poucos anos de idade. Tinha um olhar desamparado. Os dedos das mãos eram compridos. O pescoço alto e os ombros estreitos. Vestia uma camisa justa e decotada, deixando perceber a brancura da pele.
A empregada saiu da cozinha e trouxe-lhe um prato com uma tarde de legumes. Escutei a voz dela a agradecer
(obrigada).
[Voz de criança em corpo gasto.]
A empregada desejou-lhe
(bom apetite)
e deixou-a a olhar para o prato, dirigindo-se para a minha mesa
(hoje temos empadão de…).
Interrompi, decidido
(opto pela tarte de legumes).
Sorriu-me e dirigiu-se para a cozinha, permitindo-me observar a sala. Havia quadros de paisagens e de pessoas orientais. Tentei analisar pormenorizadamente um deles, onde aparecia um rosto de velho a fumar. Contudo, a minha atenção persistia em fugir para ela, que comia lentamente a tarte de legumes. Mal o nosso olhar se cruzou, e isso aconteceu três ou quatro vezes, era sempre eu a retirá-lo, a fugir, a cobardear. {Começa a aborrecer-me o facto de o Word sublinhar as palavras que invento}
A empregada trouxe-me o chá de erva de príncipe e a tarte de legumes.
(Bom apetite.)
(Obrigado.)
Continuará...
domingo, 1 de agosto de 2010
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Vidros partidos
«Vamos, poema de amor, levanta-te do meio de vidros partidos, porque chegou a hora de cantar.
Ajuda-me, poema de amor, a restabelecer a integridade, a cantar sobre a dor.
É verdade que o mundo não se limpa de guerras, não se lava de sangue, não se corrige do ódio. É verdade.
Mas é igualmente verdade que nos abeiramos de uma evidência: os violentos reflectem-se no espelho do mundo e o seu rosto não é belo, nem para eles mesmos.
Continuo a crer na possibilidade do amor. Tenho a certeza do entendimento entre os seres humanos, conseguido sobre as dores, sobre o sangue e sobre os vidros partidos.»
Pablo Neruda, Confesso que vivi
Ajuda-me, poema de amor, a restabelecer a integridade, a cantar sobre a dor.
É verdade que o mundo não se limpa de guerras, não se lava de sangue, não se corrige do ódio. É verdade.
Mas é igualmente verdade que nos abeiramos de uma evidência: os violentos reflectem-se no espelho do mundo e o seu rosto não é belo, nem para eles mesmos.
Continuo a crer na possibilidade do amor. Tenho a certeza do entendimento entre os seres humanos, conseguido sobre as dores, sobre o sangue e sobre os vidros partidos.»
Pablo Neruda, Confesso que vivi
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