domingo, 14 de fevereiro de 2010

Lua adversa

Árvore,
Este poema podia ter sido escrito por mim e sobre mim. Também acho que o entendes perfeitamente porque creio que te identificarás um pouco com ele.
É bonito, isso eu sei. Por isso também vai para ti.


Lua adversa

Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser tua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu....

Cecília Meireles

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Antemanhã


O mostrengo que está no fim do mar
Veio das trevas a procurar

A madrugada do novo dia,
Do novo dia sem acabar;
E disse: «Quem é que dorme a lembrar
Que desvendou o Segundo Mundo,
Nem o Terceiro quer desvendar?»

E o som na treva de ele rodar
Faz mau o sono, triste o sonhar,
Rodou e foi-se o mostrengo servo
Que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar –
Chamar Aquele que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar.

Fernando Pessoa, Mensagem


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Instantes de Um Peregrino Sem Fé

18. Bom dia!

Há vários meses que percorro a mesma estrada municipal. Já decorei os buracos no macadame, todas as tampas de saneamento e as curvas desniveladas. Habituei-me a ultrapassar os mesmos autocarros que transportam alunos para as escolas como se fossem barcaças a atravessar o estreito Mediterrâneo a abarrotar de esfomeados. Reconheço os carros e os condutores que, tal como eu, passam nos mesmos lugares à mesma hora.
[O ser humano é incorrigivelmente rotineiro.]
Nos três últimos quilómetros encontrava todas as manhãs, na mesma recta, o mesmo carro metalizado, o mesmo rosto de mulher atenta à estrada. Um dia frio de sol, inexplicável e instintivamente, acenei-lhe ao cruzar-me com o carro dela. No dia seguinte, frio de chuva, ela acenou-me. A partir desse dia, acenámo-nos.
Na semana passada, atrasei-me cerca de meia hora. Quando me aproximei da recta, apercebi-me de que não teria ninguém a quem acenar. Entrei na recta com uma profunda e estranha inquietação. Ao aproximar-me do final da recta, deparei-me com um corpo sinalizado a ordenar-me que abrandasse. Obedeci imediatamente. Tratava-se de um polícia. Pediu-me, com gestos, que circulasse devagar, com prudência e que o fizesse pela faixa de rodagem contrária àquela em que o meu carro circulava. Conclui que haveria algum obstáculo na curva que estava prestes a curvar. Confirmou-se a minha dedução. Estava um carro acidentado, provavelmente sem conserto. Olhei para a traseira do carro. Era metalizado. Reconheci imediatamente a matrícula. Era o carro dela. Encostei o meu carro. Corri para o local do acidente. Mas não a encontrei. Nesse instante, uma ambulância ligou a sirene e arrancou aflita.
Há uma semana que passo na mesma recta, no final da qual existe uma curva desnivelada com um muro derrubado por um carro de uma condutora a quem eu gostaria tanto de voltar a acenar.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Amigos

" A palavra é uma Árvore, as Árvores são abraços, algumas pessoas são Árvores."
            Cristina Santos, artesã de palavras e de amizades